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Crónica dos livros

Fernando Pessoa

O Jornal , 4 de abril de 1915, p. 3.

  • Crónica DOS LIVROS

    O INQUERITO LITERARIO Por Boavida Portugal — Lisboa literaria classica Editora.

    O livro de Boavida Portugal compila os artigos de resposta e discussão que apareceram no decurso do Inquerito Literario por ele realisado no jornal Republica . A estes artigos se juntou uma escolha representativa e pitorêsca de comentarios, que outras folhas ao tempo imprimiram, versando o assunto fixado neste livro.

    Merece elogio, sem duvida, a idéa de realizar este inquérito, e o volume que o arquiva resulta indispensavel a quantos queiram inteirar-se, agora ou logo, da perturbada psícólogia dum estádio literário em que uma decadencia e um resurgimento se misturam.

    Mas, se a idéa inicial foi boa, não merece tantos elogios a sua realisação, conforme se deu. Em parte pela ausencia de toda a especie de norma civilisada no nosso meio literario, e de qualquer, ainda que falso, sentimento da responsabilidade intelectual, mas em parte tambem pela indieciplinada orientação seguida pelo inquerente, o volume (se bem que, como foi dito, interessante pelo fixa d’um momento da literatura) resulta frouxo como conjunto opinionativo e definidor. Em justiça se acentue, novamente, que esse resultado é menos da responsabilidade de Boavida Portugal, do que da dos individuos que consultou.

    Alguns esquivaram-se a responder. Outros, não se querendo esquivar, tiveram que arranjar á ultima hora ae idéas que tinham sempre tido sobre letras. Outros ainda entregaram-se a abominaveis deboches de obscuridade, chateza ou, como diz a Lei de Imprensa, «Linguagem despejado e provocadora».

    O que é da responsabilidade de Boavida Portugal é não ter tido a intuição de como esta gente a consultar havia de ser levada a dizer coisas em que se pudesee supôr nexo e geito. Devia haver um meio qualquer de a fazer entender-se a si propria. Mas houve tambem erros manifestos ― de pura malicia, como creio ― como o de ir consultar o dr. Julio de Matos, incompetencia notavel n’estas coisas que se não regram por Tanzi ou por Régis, e o de dar a creaturas como o sr. Augusto de Castro ou o sr. Gonçalves Viana estatura de ter opiniões para emitir.

    Isto foi o que se passou com os consagrados. Porque é com respostas dos novos, e as replicas e as objeções dos inesperados, que a Inteligencia e a Lucidez entram no Inquerito. A segunda parte do livro salva e intelectualisa tudo. Seria grave lacuna, e imperdoavel não salientar os dois artigos do sr. Manuel Antonio de Almeida. Eles foram, tanto em idéa como em fórma, uma lição á maioria dos depoentes.

    Fernando Pessôa

  • Crónica DOS LIVROS

    O INQUÉRITO LITERÁRIO Por Boavida Portugal — Lisboa literária clássica Editora.

    O livro de Boavida Portugal compila os artigos de resposta e discussão que apareceram no decurso do Inquérito Literário por ele realizado no jornal República. A estes artigos se juntou uma escolha representativa e pitoresca de comentários, que outras folhas ao tempo imprimiram, versando o assunto fixado neste livro.

    Merece elogio, sem dúvida, a ideia de realizar este inquérito, e o volume que o arquiva resulta indispensável a quantos queiram inteirar-se, agora ou logo, da perturbada psicologia dum estádio literário em que uma decadência e um ressurgimento se misturam.

    Mas, se a ideia inicial foi boa, não merece tantos elogios a sua realização, conforme se deu. Em parte pela ausência de toda a espécie de norma civilizada no nosso meio literário, e de qualquer, ainda que falso, sentimento da responsabilidade intelectual, mas em parte também pela indisciplinada orientação seguida pelo inquerente, o volume (se bem que, como foi dito, interessante pelo fixa dum momento da literatura) resulta frouxo como conjunto opinionativo e definidor. Em justiça se acentue, novamente, que esse resultado é menos da responsabilidade de Boavida Portugal, do que da dos indivíduos que consultou.

    Alguns esquivaram-se a responder. Outros, não se querendo esquivar, tiveram que arranjar à última hora ae ideias que tinham sempre tido sobre letras. Outros ainda entregaram-se a abomináveis deboches de obscuridade, chateza ou, como diz a Lei de Imprensa, «Linguagem despejado e provocadora».

    O que é da responsabilidade de Boavida Portugal é não ter tido a intuição de como esta gente a consultar havia de ser levada a dizer coisas em que se pudesee supor nexo e jeito. Devia haver um meio qualquer de a fazer entender-se a si própria. Mas houve também erros manifestos ― de pura malícia, como creio — como o de ir consultar o dr. Júlio de Matos, incompetência notável nestas coisas que se não regram por Tanzi ou por Régis, e o de dar a criaturas como o sr. Augusto de Castro ou o sr. Gonçalves Viana estatura de ter opiniões para emitir.

    Isto foi o que se passou com os consagrados. Porque é com respostas dos novos, e as réplicas e as objeções dos inesperados, que a Inteligência e a Lucidez entram no Inquérito. A segunda parte do livro salva e intelectualiza tudo. Seria grave lacuna, e imperdoável não salientar os dois artigos do sr. Manuel António de Almeida. Eles foram, tanto em ideia como em forma, uma lição à maioria dos depoentes.

    Fernando Pessoa

  • Namen

    • Aniceto dos Reis Gonçalves Viana
    • Augusto de Castro
    • Boavida Portugal
    • Fernando Pessoa
    • Júlio de Matos
    • Manuel António de Almeida

    Titel

    • O INQUERITO LITERARIO

    Zeitschriften

    • A República