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Programa — Contemporânea

Fernando Pessoa

Contemporânea Número Espécimen, 1915, pp. 1-4.

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    A fundação de CONTEMPORANEA pretende dar a quantos em Portugal se interessam pela elegancia na arte e na vida uma voz e como que uma satisfação. Não ha entre nós cousa alguma — club, grupo ou periodico — na qual, ou em torno á qual, se possam reunir, ainda que só em espirito, quantos não viraram as costas á civilização moderna, nem se consideram vivendo na Europa se de alguma maneira os não cerca qualquér evidencia d’isso.

    Temos gente culta — mais do que se crê; nem ha entre nós a deficiencia, que se julga, de espiritos qualificaveis de elegantes. Mas não formam sociedade, não se concentram. Não teem sequer uma revista que saibam que é lida pelos seus pares com interesse, e em cujo manuseamento, portanto, se saibam acompanhados por quantos consideram seus congéneres.

    [*]

    De ahi o não terem os nossos artistas nem publico nem ao menos critica. O publico e a critica para as cousas de cultura, não os cria o mero numero de gente culta num paiz, mas a facilidade com que, reunindo-se, conjugando-se ou pensando expontaneamente em commum, formam, não gente culta, mas propriamente um meio culto.

    Essa grande deficiencia do nosso meio, vem emfim CONTEMPORANEA suppri-la. Foi nosso objectivo organisar uma revista que fosse rigorosamente o ponto de reunião de quantos interesses cultos entre nós existam. Este passo será o primeiro para a creação entre nós de um meio culto. Ninguem pode negar a importancia do nosso intuito, o aproposito da nossa iniciativa e a opportunidade da nossa vinda.

    [*]

    É estranho que isto nunca se tentasse, e, uma vez tentado, se fizesse, porquanto ha no paiz — hoje, sobretudo — collaboradores para essa obra, competencias em todos os ramos da sciencia da elegancia. O caso era procural-os e reuni-los. Foi isso que a nossa iniciativa conseguiu. E, assim, pela primeira vez entre nós apparecerá uma revista digna de um meio culto. Os seus collaboradores serão as figuras mais brilhantes e variadamente individuaes das nossas modernas correntes artisticas, desde as mais simples ás mais complexas — todos quantos, desde o verso até á linha, sabem servir as curiosidades cultas e os interesses aristocratisados.

    O que queremos realizar, realiza-lo-hemos á plena altura do nosso proposito, e de tal maneira que, desde a apresentação typographica até á medulla intellectual e artistica, CON[*]TEMPORANEA supporte triumphantemente a comparação com as melhores revistas congéneres dos mais difficeis meios do Extrangeiro. Não se trata de as seguir, mas de as egualar.

    Entenda-se bem. Não se pretende tentar uma obra artisticamente civilizada e moderna. Pretende-se, sem tentamens, realiza-la logo, desde o principio. O numero-specimen, que brevemente sahirá, tirará todas as duvidas a esse respeito. As artes da palavra e da linha, o theatro, a elegancia feminina, o pormenor elegante dos acontecimentos — tudo será detidamente versado e com uma interpretação condigna.

    CONTEMPORANEA vae ser uma surpreza e uma revelação para toda a gente. Uma vez apparecida, estranhar-se-ha que entre nós tão perfeita obra se realize. É pena que só agora isto se faça, mas bom que emfim haja [*]quem o vá fazer. Mal se calcula o que de elegante, leve e requintado se pode produzir entre nós quando se sabe como as cousas se fazem, e quando se conhece por dentro o sentido a todas as formas da elegancia e a todas as modalidades da cultura.

    Em CONTEMPORANEA encontrará o leitor tudo quanto possa interessar uma curiosidade elegante, desde a reportagem photographica escrupulosamente attenta em colher apenas o instante feliz das occorrencias, até a uma collaboração literaria e pictural que para sempre e deveras mostre que nada temos a invejar aos outros paizes se nos decidirmos a conjugar os nossos esforços e a disciplinar as nossas competencias.

    Criar um revista cuja leitura constitua, de per si, uma elegancia, um acto de expontaneo [*]bom-gosto — estas palavras resumem completamente a essencia do nosso intuito. Temos o direito de confiar em que todos aquelles, cujos ideaes a nossa obra vae satisfazer, deem todas as formas do seu interesse a essa obra.

    Contemporanea

    A atribuição do texto a Pessoa foi sugerida primeiro por Jerónimo Pizarro, com algumas ressalvas, em Sensacionismo e outros ismos (SOI, p. 276) e confirmada por Richard Zenith no artigo ʺPessoa ʼInéditoʼ, 1915ʺ (Zenith, 2011); posteriormente foi incluído em Proses I: 1912-1922 (PRI, 2013). A atribuição baseia-se na leitura da lista de projetos BNP 144X-48v.
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    A fundação de CONTEMPORÂNEA pretende dar a quantos em Portugal se interessam pela elegância na arte e na vida uma voz e como que uma satisfação. Não há entre nós coisa alguma — clube, grupo ou periódico — na qual, ou em torno à qual, se possam reunir, ainda que só em espírito, quantos não viraram as costas à civilização moderna, nem se consideram vivendo na Europa se de alguma maneira os não cerca qualquer evidência disso.

    Temos gente culta — mais do que se crê; nem há entre nós a deficiência, que se julga, de espíritos qualificáveis de elegantes. Mas não formam sociedade, não se concentram. Não têm sequer uma revista que saibam que é lida pelos seus pares com interesse, e em cujo manuseamento, portanto, se saibam acompanhados por quantos consideram seus congéneres.

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    Daí o não terem os nossos artistas nem público nem ao menos crítica. O público e a crítica para as coisas de cultura, não os cria o mero número de gente culta num país, mas a facilidade com que, reunindo-se, conjugando-se ou pensando espontaneamente em comum, formam, não gente culta, mas propriamente um meio culto.

    Essa grande deficiência do nosso meio, vem enfim CONTEMPORÂNEA supri-la. Foi nosso objetivo organizar uma revista que fosse rigorosamente o ponto de reunião de quantos interesses cultos entre nós existam. Este passo será o primeiro para a criação entre nós de um meio culto. Ninguém pode negar a importância do nosso intuito, o apropósito da nossa iniciativa e a oportunidade da nossa vinda.

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    É estranho que isto nunca se tentasse, e, uma vez tentado, se fizesse, porquanto há no país — hoje, sobretudo — colaboradores para essa obra, competências em todos os ramos da ciência da elegância. O caso era procurá-los e reuni-los. Foi isso que a nossa iniciativa conseguiu. E, assim, pela primeira vez entre nós aparecerá uma revista digna de um meio culto. Os seus colaboradores serão as figuras mais brilhantes e variadamente individuais das nossas modernas correntes artísticas, desde as mais simples às mais complexas — todos quantos, desde o verso até à linha, sabem servir as curiosidades cultas e os interesses aristocratizados.

    O que queremos realizar, realizá-lo-emos à plena altura do nosso propósito, e de tal maneira que, desde a apresentação tipográfica até à medula intelectual e artística, CON[*]TEMPORÂNEA suporte triunfantemente a comparação com as melhores revistas congéneres dos mais difíceis meios do Estrangeiro. Não se trata de as seguir, mas de as igualar.

    Entenda-se bem. Não se pretende tentar uma obra artisticamente civilizada e moderna. Pretende-se, sem tentâmens, realizá-la logo, desde o princípio. O número-specimen, que brevemente sairá, tirará todas as dúvidas a esse respeito. As artes da palavra e da linha, o teatro, a elegância feminina, o pormenor elegante dos acontecimentos — tudo será detidamente versado e com uma interpretação condigna.

    CONTEMPORÂNEA vai ser uma surpresa e uma revelação para toda a gente. Uma vez aparecida, estranhar-se-á que entre nós tão perfeita obra se realize. É pena que só agora isto se faça, mas bom que enfim haja [*]quem o vá fazer. Mal se calcula o que de elegante, leve e requintado se pode produzir entre nós quando se sabe como as coisas se fazem, e quando se conhece por dentro o sentido a todas as formas da elegância e a todas as modalidades da cultura.

    Em CONTEMPORÂNEA encontrará o leitor tudo quanto possa interessar uma curiosidade elegante, desde a reportagem fotográfica escrupulosamente atenta em colher apenas o instante feliz das ocorrências, até a uma colaboração literária e pictural que para sempre e deveras mostre que nada temos a invejar aos outros países se nos decidirmos a conjugar os nossos esforços e a disciplinar as nossas competências.

    Criar um revista cuja leitura constitua, de per si, uma elegância, um ato de espontâneo [*]bom-gosto — estas palavras resumem completamente a essência do nosso intuito. Temos o direito de confiar em que todos aqueles, cujos ideais a nossa obra vai satisfazer, deem todas as formas do seu interesse a essa obra.

    Contemporânea

    A atribuição do texto a Pessoa foi sugerida primeiro por Jerónimo Pizarro, com algumas ressalvas, em Sensacionismo e outros ismos (SOI, p. 276) e confirmada por Richard Zenith no artigo ʺPessoa ʼInéditoʼ, 1915ʺ (Zenith, 2011); posteriormente foi incluído em Proses I: 1912-1922 (PRI, 2013). A atribuição baseia-se na leitura da lista de projetos BNP 144X-48v.
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