English|Português|Deutsch

Sobre o projeto

1. A Edição Digital

A presente edição digital da obra de Fernando Pessoa nasceu de um trabalho de colaboração entre o projeto Estranhar Pessoa, sediado no IELT (Instituto de Estudos de Literatura e Tradição), na Universidade Nova de Lisboa, e o CCeH (Cologne Center for eHumanities), da Universidade de Colónia. Disponibilizada aos leitores em 2017, integra presentemente investigadores do projeto Estranhar Pessoa (IELT, NOVA FCSH), da Universidade de Rostock e da Universidade EAFIT de Medellín, incluindo consultoria por parte do IDE (Institute of Documentology and Scholarly Editing) e de especialistas na obra de Fernando Pessoa (ver aqui a constituição da equipa, instituições envolvidas e fontes de financiamento). A coordenação editorial é da responsabilidade de Pedro Sepúlveda, a coordenação técnica está a cargo de Ulrike Henny-Krahmer, a edição é da responsabilidade de Pedro Sepúlveda, Ulrike Henny-Krahmer e Jorge Uribe.

O portal apresenta uma edição das listas de projetos editoriais de Fernando Pessoa, que constituem uma parte nuclear do seu espólio, assim como das publicações do autor em vida. Na sua versão atual, a edição contempla as listas elaboradas entre 1913 e o final da vida de Pessoa. No que diz respeito às publicações em vida, reunimos toda a poesia publicada pelo autor entre 1914 e 1935, em periódicos, folhetos e em livro, sob os nomes de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, assim como a totalidade da prosa publicada em vida, em jornais e revistas, sob os nomes de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos e Bernardo Soares, a partir de 1912 (ver a este respeito Uribe, “Em vida de Fernando Pessoa — Lista de publicações 1912-1935”).

Todos os documentos da Edição Digital são codificados seguindo a norma da Text Encoding Initiative (TEI), que proporciona não só fundamentos para a representação das fontes escritas no suporte digital como também conceitos e técnicas que visam o registo de variantes e versões. O leitor encontra aqui documentação detalhada sobre as ferramentas e os critérios seguidos na codificação eletrónica do texto, explicitados através de exemplos da edição. Esta edição é atualizada em permanência, disponibilizando, ao longo do tempo, diferentes versões, indicadas no rodapé da página de abertura.

2. Listas de projetos

As listas de projetos foram publicadas de forma dispersa em diversas edições, encontrando-se ainda uma parte significativa inédita, aqui publicada pela primeira vez. Trata-se de documentos decisivos para entender não só propósitos editoriais como poéticos, de elaboração, fixação e organização sistémica da obra ao longo do tempo. A sua já reconhecida relevância (cf. Cunha 1987, Sepúlveda 2013, Sepúlveda e Uribe 2016) encontra expressão no estabelecimento de uma edição de referência destes documentos. Esta edição coloca um forte acento na relação entre o caráter potencial da obra e o que dela foi efetivamente publicado. Índices dos documentos, publicações e géneros, assim como de ocorrências de nomes, títulos e periódicos, permitem traçar com precisão a cronologia tanto de projetos como de publicações, assim como estabelecer relações entre estes.

O corpus constituído pelas listas de projetos editoriais de Pessoa é delimitado por oposição a outro tipo de listas, igualmente presentes no seu espólio, como listas de leituras, de livros, outros objetos ou tarefas a realizar. No que diz respeito a listas de foro editorial, distingue-se ainda, para os propósitos desta edição e na linha do que tem vindo a ser defendido, entre listas de projetos e planos editoriais. Enquanto um plano é uma lista referente a uma só obra, que estrutura partes constituintes de um só título, as listas de projetos editoriais reúnem vários títulos, de índole particular, correspondendo a obras distintas. Esta edição tem por objeto apenas as listas de projetos editoriais, que podem ainda conter no seu corpo planos e notas editoriais referentes aos títulos enumerados, nesse caso igualmente contemplados na edição. É preferencialmente através das listas de projetos editoriais que é possível traçar a história do desenvolvimento de cada título, projeto ou obra, assim como da sua organização, pelo que estas se apresentam como decisivas para o estudo e análise da obra enquanto todo.

3. Publicações em vida

Na edição das publicações em vida, é conferida particular atenção à forma específica como cada texto foi publicado pelo autor, considerando as suas caraterísticas próprias enquanto peça bibliográfica. Preservando estas caraterísticas com vista a uma leitura adequada, republicações que integram certo texto num conjunto distinto são editadas como unidades autónomas, enquanto publicações de um mesmo texto que apresentam apenas variações textuais entre si são confrontadas num texto crítico. Esta atenção particular vai ao encontro das considerações de Jerome McGann (1991, 13-16) a respeito da importância do código bibliográfico do texto. Alargando as suas considerações ao âmbito da edição digital, McGann (2001, 11-12) sublinhou a necessidade de conciliar, através do digital, os propósitos da edição crítica e da edição facsimilada, dando a ver as particularidades bibliográficas do suporte de cada texto, assim como o seu contexto particular de publicação. A edição contempla essas particularidades através da articulação entre o facsímile e o texto editado, e da apresentação de cada texto enquanto peça pertencente a um dado contexto e publicada num determinado suporte, com caraterísticas visuais e linguísticas próprias. Como o texto editado é apresentado de um modo próximo ao facsímile, na sua fixação no novo suporte prescinde-se de uma absoluta fidelidade tipo- e quirográfica. Em vez disso, o texto apresenta-se como uma versão estruturada, através de marcações específicas de cada elemento.

Na edição das publicações em vida, é conferida particular atenção à forma específica como cada texto foi publicado pelo autor, considerando as suas caraterísticas próprias enquanto peça bibliográfica. Preservando estas caraterísticas com vista a uma leitura adequada, republicações que integram certo texto num conjunto distinto são editadas como unidades autónomas, enquanto publicações de um mesmo texto que apresentam apenas variações textuais entre si são confrontadas num texto crítico. Esta atenção particular vai ao encontro das considerações de Jerome McGann (1991, 13-16) a respeito da importância do código bibliográfico do texto. Alargando as suas considerações ao âmbito da edição digital, McGann (2001, 11-12) sublinhou a necessidade de conciliar, através do digital, os propósitos da edição crítica e da edição facsimilada, dando a ver as particularidades bibliográficas do suporte de cada texto, assim como o seu contexto particular de publicação. A edição contempla essas particularidades através da articulação entre o facsímile e o texto editado, e da apresentação de cada texto enquanto peça pertencente a um dado contexto e publicada num determinado suporte, com caraterísticas visuais e linguísticas próprias. Como o texto editado é apresentado de um modo próximo ao facsímile, na sua fixação no novo suporte prescinde-se de uma absoluta fidelidade tipo- e quirográfica. Em vez disso, o texto apresenta-se como uma versão estruturada, através de marcações específicas de cada elemento.

Enquanto as variações entre publicações distintas, a que correspondem diferentes entradas, são indicadas brevemente numa nota editorial, as variantes textuais entre publicações de um mesmo conjunto ou de um texto isolado, que incluem a pontuação e a utilização de maiúsculas, são apresentadas de forma imediatamente visível no corpo do texto, através do método da “segmentação paralela”. Em qualquer dos casos, uma breve nota editorial expõe as diversas publicações do texto e suas diferenças fundamentais. A estratégia do método da “segmentação paralela” (parallel segmentation method) baseia-se em codificar as variantes precisamente no local onde se encontram no texto a editar. Assim, o aparato não é guardado separadamente, mas diretamente integrado no texto. Todas as variantes são reproduzidas na edição, privilegiando uma delas no corpo do texto, de acordo com a coerência textual e as circunstâncias de publicação. Isto é particularmente importante no caso da obra de Pessoa, porque permite escolher uma variante correspondente a uma das versões do texto, tendo sempre em conta o contexto bibliográfico mais amplo, e estabelecendo assim um texto crítico sensível à totalidade da obra pessoana.

4. Critérios e propósitos da edição

A edição beneficia das possibilidades oferecidas pelo formato digital, oferecendo ao leitor uma combinação de diferentes modalidades de edição dos textos. No caso dos documentos do espólio, são apresentados três modos de edição: 1. transcrição diplomática, incluindo todas as variantes, hesitações e trechos posteriormente rejeitados pelo autor; 2. primeira versão do texto, tal como estabelecida e não rejeitada pelo autor, contemplando o desenvolvimento de abreviaturas; 3. última versão do texto não rejeitada pelo autor, incluindo igualmente abreviaturas desenvolvidas. Nas publicações em vida, são oferecidos dois modos de edição: 1. transcrição conservadora, com ortografia original, e mantendo as abreviaturas introduzidas no texto; 2. transcrição com ortografia modernizada, seguindo o Acordo Ortográfico de 1990, nos textos em prosa incluindo o desenvolvimento de abreviaturas. Eventuais quebras de página são indicadas entre parênteses retos, na margem do texto.

Dada a existência de variantes textuais nos documentos do espólio, anteriores edições em formato de livro definem-se com base na lição escolhida e na versão estabelecida de cada texto. Como é amplamente conhecido, algumas edições seguem tendencialmente uma primeira lição do texto, outras a última, existindo ainda casos em que a escolha entre as variantes existentes é realizada com base num critério hermenêutico (cf. nomeadamente Duarte 1988, Lopes 1992, Galhoz 1993, Martins 2011 e Castro 2013). O presente trabalho proporciona diversas modalidades de acesso a cada texto, procurando evitar algumas das anteriores oposições entre critérios editoriais e dando conta do dinamismo da escrita do autor e das suas diferentes etapas.

Esta combinação de diferentes modalidades de edição dos textos oferece novos modos de acesso à obra de Pessoa, colocando o foco tanto numa parte significativa do seu espólio literário, à guarda da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) ou de particulares (CP), como nas publicações realizadas em vida. A sigla BNP nos documentos, seguida de uma quota, indica que estes se encontram integrados no espólio da Biblioteca Nacional, no seu envelope 3. Os documentos que integram coleções particulares são referidos com a sigla CP, seguida de uma numeração. Nas publicações em vida, os textos são indicados através dos respetivos títulos da sua publicação, respeitando-se os moldes particulares em que foram publicados. Para uma uniformização mínima dos títulos, estes seguem, nos menus de acesso, a ortografia moderna; títulos de poemas são indicados utilizando sempre maiúsculas, salvo artigos e preposições, na prosa apenas com maiúscula inicial. Nos casos dos prefácios a livros, ao seu título segue-se a indicação da obra prefaciada.

A edição inclui uma bibliografia especializada, dedicada principalmente a reunir as referências às fontes que, ao longo dos anos, foram tornando acessíveis os diversos documentos do espólio, propondo um olhar sobre a potencialidade da obra pessoana como conjunto de projetos. Esta bibliografia indica igualmente edições, ensaios e artigos académicos ou de divulgação que, nas últimas décadas, têm contribuído para a redescoberta dos elementos da obra pessoana publicada pelo próprio autor em vida.

As variantes textuais, os sublinhados e os trechos riscados são apresentados na sua totalidade na transcrição diplomática de cada documento do espólio, de um modo graficamente legível e prescindindo de qualquer simbologia suplementar. A transcrição diplomática procura manter alguma fidelidade à disposição gráfica do documento original, reproduzido em fac-símile que acompanha cada texto e complementa a sua leitura. Neste sentido, mantemos todas as variantes e trechos riscados na transcrição diplomática, não remetendo estes elementos para nota. Não só se torna assim visível o desenvolvimento de projetos de uma para outra lista, como no seio da própria lista é frequentemente visível a substituição de um projeto por outro ou a incerteza mantida perante versões diferentes de determinado projeto. São ainda incluídas hiperligações entre projetos mencionados em listas e respetivas publicações em vida, sempre que existe uma correspondência claramente identificável entre um projeto e a sua concretização numa publicação. É utilizada nas transcrições a seguinte simbologia:

  • espaço deixado em branco pelo autor
  • * leitura conjeturada
  • / / trecho dubitado pelo autor
  • palavra ilegível
  • [ ] desenvolvimento de abreviaturas

EEm breve nota a cada documento do espólio referimos a sua anterior publicação, quando não se trata de um inédito. A referência recai sobre a sua publicação mais antiga, exceto nos casos em que uma publicação mais recente apresenta significativas melhorias de leitura. As notas referem ainda elementos materiais e de conteúdo considerados para a sua datação. Elementos materiais considerados para a datação são o tipo de letra utilizado, manuscrita ou datilografada, e o tipo de suporte. Neste âmbito são considerados timbres, muitos deles relativos a firmas em que Pessoa trabalhou em certos momentos, e marcas de água do papel.

A abreviatura «c.» («circa») marca o caráter conjetural da datação, que depende de uma interpretação dos elementos e de uma compreensão da obra que excede a da sua materialidade. Mesmo em casos em que surge uma data autógrafa no documento, não podemos ter absoluta certeza de que aquele documento foi redigido nessa mesma data, pelo que em nenhum caso está ausente uma dimensão conjetural. Nos casos de maior dúvida, indicamos um espaço de tempo de dois ou mais anos («c. 1916-1917» ou «c. 1918-1920») ou indicamos que a lista pertence a determinado período («1916-1919» ou «1920-1927»). As abreviaturas «ant.» («anterior») e «post.» («posterior») indicam que determinado documento terá sido redigido num momento próximo, anterior ou posterior a uma certa data.

Um motor de busca facilita a pesquisa por conteúdos específicos e proporciona distintos modos de acesso à informação contida nos textos. O acesso aos textos pode ser feito de diversos modos: pesquisando por um autor, um documento, uma publicação ou um género literário, ou explorando os índices de nomes, títulos de obras e periódicos referidos nos textos.

A história dos projetos e das publicações é também a de um desenvolvimento dinâmico da escrita e da sua fixação numa publicação ou através de uma proposta de organização editorial. Estas fixações distintas são, ainda que mutáveis ao longo do tempo, pontualmente significativas, contribuindo para uma definição da obra de um ponto de vista não só editorial como poético e sistémico. Traçar a história de projetos e publicações pessoanas significa assim analisar uma obra em construção, mas que alude a um propósito maior, o de um projetado estabelecimento do seu sentido enquanto todo plenamente constituído.

Pretende-se contribuir, através de um trabalho editorial que não prescinde de uma abordagem hermenêutica, para um esclarecimento de questões críticas fundamentais dos Estudos Pessoanos, como sejam a discussão em torno do caráter fragmentário ou unitário da obra (cf. Coelho 1949, Gusmão 2003, Martins 2003, Sepúlveda 2013, Feijó 2015). A fragmentariedade material de alguns dos textos não anula um propósito do autor de a exceder através de uma fixação sistémica da obra, que, porventura revelando a sua permanente insatisfação, não alcançou uma forma definitiva. A presente edição mostra que Pessoa trabalhou constantemente na organização da sua obra, como é testemunhado nas listas de projetos editoriais aqui reunidas e analisadas, por contraste ou em conformidade com as publicações realizadas em vida. Em ambos os tipos de texto vislumbra-se o modo como o desenho da obra dependia da definição dos seus conteúdos, do estabelecimento de relações entre títulos, e da atribuição de autoria, expressa na famosa criação de figuras autorais, incluindo a que assina com o nome próprio do poeta.

Sepúlveda, Pedro, Ulrike Henny-Krahmer e Jorge Uribe (eds). Edição Digital de Fernando Pessoa. Projetos e Publicações . Lisboa e Colónia: IELT, Universidade Nova de Lisboa e CCeH, Universidade de Colónia 2017-2024. Versão A3.0.0-C2.1.1 <https://www.pessoadigital.pt/pt/project/about>. DOI: 10.18716/cceh/pessoa.