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Silêncio por Edgar Poe

Fernando Pessoa

O ʺNotíciasʺ Ilustrado , 16 Setembro de 1928, p. 15.

  • SILENCIO

    por EDGAR POE

    NASCEU Edgar Poe em Boston em 19 de Janeiro de 1809. Mortos seus pais, que eram actores, foi adoptado por Mrs. John Allan, mulher de um comerciante de Richmond (Virginia). Dessa adopção lhe veiu o apelido de Allan, e ela valeu-lhe o ser educado na Manor House School, perto de Londres, e depois na nova Universidade de Virginia.

    A desordem geral da sua vida, filha de uma predisposição mórbida profunda, especialmente caracterisada pela tendencia alcoólica, começou cêdo, e sobretudo se acentuou desde que morta Mrs. Allan e casado segunda vez seu pai adoptivo, se viu sósinho na vida, para a qual fôra mal preparado por uma educação excessivamente carinhosa. Casou cêdo, com uma rapariga de 13 anos, Virginia Clemm. O seguimento da sua vida prática, quási exclusivamente literária, se tem tristeza, não tem contudo interêsse. A morte de sua mulher, em 1847, agravou mais as já agravadas tendencias mórbidas. Morreu em 1849, vítima de um acesso alcoólico, induzido, ao que parece, por circunstancias inteiramente acidentais.

    Edgar Poe é das figuras literárias mais notáveis da América Inglesa. Foi poeta, novelista e critico. Como poeta procedeu um pouco, superficialmente e no começo, de Byron; muito e profundamente de Coleridge e da corrente chamada «do maravilhoso» no movimento romantico. Como crítico tem freqùentes pormenores de subtileza, porém nada fez nem de profundo, nem de notável. Como novelista deixou a par de varias obras fouxas e sem imortalidade possível, alguns contos que não poderão esquecer.

    O que há de mais notável na sua personalidade complexa é a justaposição — mais que a fusão — de uma imaginação visinha da vesania com um raciocínio frio e lucido. Na imaginação visionadora do estranho ninguem o superou ainda, salvo, talvez, de Sá-Carneiro, cuja intuição do Mistério era, talvez por uma razão de raça, mais completa. Na determinação alucinada de estado mórbidos — como no pavoroso feiticismo da «Berenice» — poucos, se alguns, o terão igualado. Nos contos «de raciocinio» não apareceu ainda seu igual.

    Os seus melhores poemas distinguem-se por uma sugestão imaginativa profunda e uma mestria subtil do ritmo. Nos seus melhores contos fundem-se, como em um outro mundo, o delírio da imaginação e a clareza da fixação dêsse delírio.

    A sua influéncia principal procede da sua criação do conto chamado «policial» e do romance pseudo-scientífico. Todos os romances «policiais» modernos descendem de «O Escaravelho de Oiro» e dos três contos em que figura como protagonista o célebre C. Augusto Dupin. Todos os romances pseudos-scientificos, género Verne e Wells, nascem da «Extraodinária Aventura de um tal Hans Pfall» e de outras narrativas análogas.— F. P. F[ernando] P[essoa]

  • SILÊNCIO

    por EDGAR POE

    NASCEU Edgar Poe em Boston em 19 de janeiro de 1809. Mortos seus pais, que eram atores, foi adotado por Mrs. John Allan, mulher de um comerciante de Richmond (Virgínia). Dessa adoção lhe veio o apelido de Allan, e ela valeu-lhe o ser educado na Manor House School, perto de Londres, e depois na nova Universidade de Virgínia.

    A desordem geral da sua vida, filha de uma predisposição mórbida profunda, especialmente caracterizada pela tendência alcoólica, começou cedo, e sobretudo se acentuou desde que morta Mrs. Allan e casado segunda vez seu pai adotivo, se viu sozinho na vida, para a qual fora mal preparado por uma educação excessivamente carinhosa. Casou cedo, com uma rapariga de 13 anos, Virginia Clemm. O seguimento da sua vida prática, quase exclusivamente literária, se tem tristeza, não tem contudo interesse. A morte de sua mulher, em 1847, agravou mais as já agravadas tendências mórbidas. Morreu em 1849, vítima de um acesso alcoólico, induzido, ao que parece, por circunstâncias inteiramente acidentais.

    Edgar Poe é das figuras literárias mais notáveis da América Inglesa. Foi poeta, novelista e crítico. Como poeta procedeu um pouco, superficialmente e no começo, de Byron; muito e profundamente de Coleridge e da corrente chamada «do maravilhoso» no movimento romântico. Como crítico tem frequentes pormenores de subtileza, porém nada fez nem de profundo, nem de notável. Como novelista deixou a par de várias obras fouxas e sem imortalidade possível, alguns contos que não poderão esquecer.

    O que há de mais notável na sua personalidade complexa é a justaposição — mais que a fusão — de uma imaginação vizinha da vesânia com um raciocínio frio e lúcido. Na imaginação visionadora do estranho ninguém o superou ainda, salvo, talvez, de Sá-Carneiro, cuja intuição do Mistério era, talvez por uma razão de raça, mais completa. Na determinação alucinada de estado mórbidos — como no pavoroso feiticismo da «Berenice» — poucos, se alguns, o terão igualado. Nos contos «de raciocínio» não apareceu ainda seu igual.

    Os seus melhores poemas distinguem-se por uma sugestão imaginativa profunda e uma mestria subtil do ritmo. Nos seus melhores contos fundem-se, como em um outro mundo, o delírio da imaginação e a clareza da fixação desse delírio.

    A sua influência principal procede da sua criação do conto chamado «policial» e do romance pseudocientífico. Todos os romances «policiais» modernos descendem de «O Escaravelho de Oiro» e dos três contos em que figura como protagonista o célebre C. Augusto Dupin. Todos os romances pseudocientíficos, género Verne e Wells, nascem da «Extraodinária Aventura de um tal Hans Pfall» e de outras narrativas análogas.— F. P. F[ernando] P[essoa]

  • Namen

    • Edgar Allan Poe
    • Fernando Pessoa
    • H. G. Wells
    • John Allan
    • Júlio Verne
    • Lord Byron
    • Mário de Sá-Carneiro
    • Samuel Taylor Coleridge
    • Virginia Clemm

    Titel

    • Berenice
    • Extraodinária Aventura de um tal Hans Pfall
    • O Escaravelho de Oiro