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Três Odes

Ricardo Reis

Presença 6, 18 de julho de 1927, p. 3.

  • TRÊS ODES

    Não só vinho, mas nêle o olvido, deito
    Na taça: serei ledo, porque a dita

    É ignara. Quem, lembrando


    Ou prevendo, sorrira?


    Dos brutos, não a vida, senão a alma,
    Consigamos, pensando; recolhidos

    No impalpável destino


    Que não spera nem lembra.


    Com mão mortal elevo à mortal boca
    Em frágil taça o passageiro vinho,

    Baços os olhos feitos


    Para deixar de ver.


    *
    Quanta tristeza e amargura afoga
    Em confusão a streita vida! Quanto

    Infortúnio mesquinho


    Nos oprime supremo!


    Feliz ou o bruto que nos verdes campos
    Pasce, para si mesmo anónimo, e entra

    Na morte como em casa;


    Ou o sábio que, perdido


    Na sciência, a fútil vida austera eleva
    Além da nossa, como o fumo que ergue

    Braços que se desfazem


    A um céu inexistente.


    *
    A nada imploram tuas mãos já coisas,
    Nem convencem teus lábios já parados,

    No abafo subterrâneo


    Da húmida imposta terra.


    Só talvez o sorriso com que amavas
    Te embalsama remota, e nas memórias

    Te ergue qual eras, hoje


    Cortiço apodrecido.


    E o nome inútil que teu corpo morto
    Usou, vivo, na terra, como uma alma,

    Não lembra. A ode grava,


    Anónimo, um sorriso.


    Ricardo Reis.

  • TRÊS ODES

    Não só vinho, mas nele o olvido, deito
    Na taça: serei ledo, porque a dita

    É ignara. Quem, lembrando


    Ou prevendo, sorrira?


    Dos brutos, não a vida, senão a alma,
    Consigamos, pensando; recolhidos

    No impalpável destino


    Que não espera nem lembra.


    Com mão mortal elevo à mortal boca
    Em frágil taça o passageiro vinho,

    Baços os olhos feitos


    Para deixar de ver.


    *
    Quanta tristeza e amargura afoga
    Em confusão a estreita vida! Quanto

    Infortúnio mesquinho


    Nos oprime supremo!


    Feliz ou o bruto que nos verdes campos
    Pasce, para si mesmo anónimo, e entra

    Na morte como em casa;


    Ou o sábio que, perdido


    Na ciência, a fútil vida austera eleva
    Além da nossa, como o fumo que ergue

    Braços que se desfazem


    A um céu inexistente.


    *
    A nada imploram tuas mãos já coisas,
    Nem convencem teus lábios já parados,

    No abafo subterrâneo


    Da húmida imposta terra.


    Só talvez o sorriso com que amavas
    Te embalsama remota, e nas memórias

    Te ergue qual eras, hoje


    Cortiço apodrecido.


    E o nome inútil que teu corpo morto
    Usou, vivo, na terra, como uma alma,

    Não lembra. A ode grava,


    Anónimo, um sorriso.


    Ricardo Reis.