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Falta de lógica... Passadista

Fernando Pessoa

O Tempo , 17 de outubro de 1918, p. 1.

  • Falta de logica... Passadista

    O meu artigo Falencia? aqui publicado, levou o Diario Nacional a responder (?) com umas considerações intituladas Logica... futurista.

    Razão tinha eu em me referir, ainda que como simples corolario da minha demonstração, á indisciplina mental dos monarquicos. A resposta (?) de que se trata, seja ela da autoria de quem fôr, é prova bastante. Seria dificil manifestar mais completamente, em tão curto espaço, a confusão do espirito, a incapacidade de compreender e de discutir.

    Imagine-se que o diarista nacional não tem melhor argumento contra a minha tese do que, dizendo que não compreendi o sentido que se dá á fráse “A Republica faliu”, explicar essa frase... precisamente em termos que eu tinha previsto, analisado e refutado! “Precisamente” é modo de dizer, e modo de dizer errado. Imprecisamente é que é, porque o critico (?), expondo confusamente o que já fora exposto com lucidez, julga estar dizendo outra coisa, quando a unica novidade é a confusão, que parte delle.

    Outro argumento da mesma fonte... seca: a minha tese é falsa porque colaborei em Orfeu .

    Terceiro y ultimo argumento: discutindo as teorias monarquicas a respeito da Republica, agredi quem nunca me fez mal.

    É certo que nunca me fizeram mal, como é falso que haja no artigo em questão qualquer coisa a que se possa chamar “agredir”. O melhor, porém, é aquele achado do neo-João Felix de que a gente tem obrigação de concordar com as teorias politicas das pessoas que nunca nos fizeram mal.

    Mas onde o critico (?) revela o seu segredo psiquico é em duas afirmações casuaes: a de que o meu artigo não passa de galimatias, e a de que sofro a influencia de um tratado qualquer de logica.

    Esta gente que só tem cabeça porque a providencia não quer desamparar os chapeleiros, tem, ante um raciocinio apertado e coerente, a noção de que ele é confuso, porque, sendo incapaz de (pelo menos) segui-lo com atenção, perde-lhe o fio e não compreende nada. E esta mesma gente tem sempre a noção camponia de que se aprende a raciocinar nos tratados de logica; o que equivale a supôr que se aprende a ouvir nos tratados de acustica.

    E querem eles que os tomem a serio!.. E criticam os argumentos dos outros!.

    Ah, estes sucedaneos do cerebro nunca deram resultado!

    Fernando Pessoa.

    Este texto foi recuperado em 2002 por Mário Matos Lemos, segundo conta Richard Zenith, numa nota ao texto anterior, mas sem o reproduzir na sua edição (Pessoa 2017, p. 476).
  • Falta de lógica... Passadista

    O meu artigo Falência? aqui publicado, levou o Diário Nacional a responder (?) com umas considerações intituladas Lógica... futurista.

    Razão tinha eu em me referir, ainda que como simples corolário da minha demonstração, à indisciplina mental dos monárquicos. A resposta (?) de que se trata, seja ela da autoria de quem for, é prova bastante. Seria difícil manifestar mais completamente, em tão curto espaço, a confusão do espírito, a incapacidade de compreender e de discutir.

    Imagine-se que o diarista nacional não tem melhor argumento contra a minha tese do que, dizendo que não compreendi o sentido que se dá à frase “A República faliu”, explicar essa frase... precisamente em termos que eu tinha previsto, analisado e refutado! “Precisamente” é modo de dizer, e modo de dizer errado. Imprecisamente é que é, porque o crítico (?), expondo confusamente o que já fora exposto com lucidez, julga estar dizendo outra coisa, quando a única novidade é a confusão, que parte dele.

    Outro argumento da mesma fonte... seca: a minha tese é falsa porque colaborei em Orfeu.

    Terceiro e último argumento: discutindo as teorias monárquicas a respeito da República, agredi quem nunca me fez mal.

    É certo que nunca me fizeram mal, como é falso que haja no artigo em questão qualquer coisa a que se possa chamar “agredir”. O melhor, porém, é aquele achado do neo-João Félix de que a gente tem obrigação de concordar com as teorias políticas das pessoas que nunca nos fizeram mal.

    Mas onde o crítico (?) revela o seu segredo psíquico é em duas afirmações casuais: a de que o meu artigo não passa de galimatias, e a de que sofro a influência de um tratado qualquer de lógica.

    Esta gente que só tem cabeça porque a providência não quer desamparar os chapeleiros, tem, ante um raciocínio apertado e coerente, a noção de que ele é confuso, porque, sendo incapaz de (pelo menos) segui-lo com atenção, perde-lhe o fio e não compreende nada. E esta mesma gente tem sempre a noção campónia de que se aprende a raciocinar nos tratados de lógica; o que equivale a supor que se aprende a ouvir nos tratados de acústica.

    E querem eles que os tomem a sério!.. E criticam os argumentos dos outros!.

    Ah, estes sucedâneos do cérebro nunca deram resultado!

    Fernando Pessoa.

    Este texto foi recuperado em 2002 por Mário Matos Lemos, segundo conta Richard Zenith, numa nota ao texto anterior, mas sem o reproduzir na sua edição (Pessoa 2017, p. 476).
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