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Poesias dum prosador

Fernando Pessoa

Suplemento Literário do Diário de Lisboa , 11 de novembro de 1935, p. 2.

  • Poesias dum prosador

    O meu velho amigo Da Cunha Dias leu-me há uma semana — ou, melhor, em parte leu-me e em parte me narrou — o seu livro Amor de Outono , a sair, creio, em breve, em janeiro, sendo todavia precedido de um outro, no prélo, de indole oposta, entitulado Ao Correr da Pena.

    Esse livro Amor de Outono é a narrativa — ou, antes, a exposição — de um episodio da vida de Lopo Pereira Da Cunha, que se dizia primo do Da Cunha Dias — parentesco que este não assegura, — que foi um dos espiritos marcantes da geração chamada «de 1907» (do ano da gréve academica em que se definiu), que partiu ha dois anos para o Cazengo e que ali morreu há meses. São desse Lopo Pereira Da Cunha as duas ultimas partes do livro — umas Cartas a Branca que formam a segunda parte, e uns esparsos, em prosa que deveria ser verso, que constituem a terceira. A primeira parte do livro é do Da Cunha Dias; narra isto mesmo desenvolvidamente, historia o encontro com Lopo Da Cunha, em vesperas de partida, quando este confiou a seu primo esses escritos, e explica que o em que tudo isto se funda (e de aí o titulo de livro) foi um caso passado no outono, poucos meses antes do janeiro em que Lopo Da Cunha embarcou para Africa.

    Estas considerações não servem mais que de moldura ao pequeno quadro constituido pelos trechos que hoje se publicam; eles, compreensiveis e apreciaveis em si mesmos, dispensam explicação propriamente literaria. Esses trechos curiosos são extraidos — diga-se excusadamente — da terceira parte do livro a que me tenho referido.

    São curiosos porque são poemas escritos em prosa sem que a prosa simule o movimento do poema, como na chamada prosa ritmada. São escritos, evidentemente, por alguem que ou era orador, ou o deveria ser, visto que, ao que a prosa ritmada trás em surdina um acompanhamento de musica, nesta se senta a voz desacompanhada, vivendo da sua propria vida.

    São curiosos, ainda, porque apelam em seu modo, para a mais antiga e a mais portuguesa das nossas tradições literarias — o lirismo cavalheiresco, com a sua ternura viril e o seu desprendimento interessado.

    FERNANDO PESSOA

  • Poesias dum prosador

    O meu velho amigo Da Cunha Dias leu-me há uma semana — ou, melhor, em parte leu-me e em parte me narrou — o seu livro Amor de Outono, a sair, creio, em breve, em janeiro, sendo todavia precedido de um outro, no prelo, de índole oposta, entitulado Ao Correr da Pena.

    Esse livro Amor de Outono é a narrativa — ou, antes, a exposição — de um episódio da vida de Lopo Pereira Da Cunha, que se dizia primo do Da Cunha Dias — parentesco que este não assegura, — que foi um dos espíritos marcantes da geração chamada «de 1907» (do ano da greve académica em que se definiu), que partiu há dois anos para o Cazengo e que ali morreu há meses. São desse Lopo Pereira Da Cunha as duas últimas partes do livro — umas Cartas a Branca que formam a segunda parte, e uns esparsos, em prosa que deveria ser verso, que constituem a terceira. A primeira parte do livro é do Da Cunha Dias; narra isto mesmo desenvolvidamente, historia o encontro com Lopo Da Cunha, em vésperas de partida, quando este confiou a seu primo esses escritos, e explica que o em que tudo isto se funda (e de aí o título de livro) foi um caso passado no outono, poucos meses antes do janeiro em que Lopo Da Cunha embarcou para África.

    Estas considerações não servem mais que de moldura ao pequeno quadro constituído pelos trechos que hoje se publicam; eles, compreensíveis e apreciáveis em si mesmos, dispensam explicação propriamente literária. Esses trechos curiosos são extraídos — diga-se escusadamente — da terceira parte do livro a que me tenho referido.

    São curiosos porque são poemas escritos em prosa sem que a prosa simule o movimento do poema, como na chamada prosa ritmada. São escritos, evidentemente, por alguém que ou era orador, ou o deveria ser, visto que, ao que a prosa ritmada traz em surdina um acompanhamento de música, nesta se senta a voz desacompanhada, vivendo da sua própria vida.

    São curiosos, ainda, porque apelam em seu modo, para a mais antiga e a mais portuguesa das nossas tradições literárias — o lirismo cavalheiresco, com a sua ternura viril e o seu desprendimento interessado.

    FERNANDO PESSOA

  • Nomes

    • Alberto Da Cunha Dias
    • Fernando Pessoa

    Títulos

    • Amor de Outono
    • Ao Correr da Pena
    • Cartas a Branca