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Ah, um Soneto...

Álvaro de Campos

Presença 34, novembro — fevereiro de 1932, p. 7.

  • AH, um soneto…

    Meu coração é um almirante louco
    Que abandonou a profissão do mar
    E que a vai relembrando pouco a pouco
    Em casa a passear, a passear…
    No movimento (eu mesmo me desloco
    Nesta cadeira, só de o imaginar)
    O mar abandonado fica em foco
    Nos músculos cansados de parar.
    Há saudades nas pernas e nos braços.
    Há saudades no cérebro por fora.
    Há grandes raivas feitas de cansaços.
    Mas — esta é boa! ― era do coração
    Que eu falava… e onde diabo estou eu agora
    Com almirante em vez de sensação?…

    ALVARO DE CAMPOS

  • AH, um soneto…

    Meu coração é um almirante louco
    Que abandonou a profissão do mar
    E que a vai relembrando pouco a pouco
    Em casa a passear, a passear…
    No movimento (eu mesmo me desloco
    Nesta cadeira, só de o imaginar)
    O mar abandonado fica em foco
    Nos músculos cansados de parar.
    Há saudades nas pernas e nos braços.
    Há saudades no cérebro por fora.
    Há grandes raivas feitas de cansaços.
    Mas — esta é boa! — era do coração
    Que eu falava… e onde diabo estou eu agora
    Com almirante em vez de sensação?…

    ÁLVARO DE CAMPOS