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A cotação C.I.F inclui as despesas com a fatura consular?

Fernando Pessoa

Revista de Comércio e Contabilidade 1, 25 de janeiro de 1926.

  • A COTAÇÃO C.I.F. INCLUI AS DESPEZAS COM A FACTURA CONSULAR?

    COMO toda a gente sabe, é elemento necessário em todas as cotações comerciais a indicação do logar de entrega da mercadoria.

    São de facil compreensão as indicações usuais para transacções na mesma praça, ou dentro do país, não surgindo, em geral, mal-entendidos senão por lapso de redacção ou omissão involuntária ou propositada. Quando, porêm, se trata de importadores, e de cotações, para estes, de exportadores estrangeiros, é conveniente saber-se bem o que abrange o sentido das abreviaturas que em geral se empregam para esses fins.

    A mais simples, e a que menos se presta a complicações, é a vulgarissima F. O. B. (free on board), que como toda a gente sabe, indica que a mercadoria é posta «livre a bordo», isto é, que todas as despezas desde que ela entra a bordo, começando pelo frete e pelo seguro, são de conta do comprador.

    Menos vulgar é a cotação F. A. S. (free along side), que quer dizer «livre ao lado» do navio ― isto é, a mercadoria posta no cais, ou em batelão, junto do barco em que ha de ser carregada. São, em geral, os americanos que usam ― e, ainda assim, poucas vêses ― esta formula, que importa, em todo o caso, não ignorar.

    É porêm com a cotação C. I. F., que indica, como todos sabem, que a cotação inclui o custo da mercadoria, o seu frete, e o seu seguro, que póde surgir um ponto de dúvida; e tanto pode surgir que efectivamente surgiu, sendo assunto de uma consulta feita o âno passado á Associação Comercial de Lisbôa, e de uma opinião interessante e decisiva de um dos membros da sua Secção de Importação e Exportação ― opinião essa que a Direcção desta Camara de Comercio aceitou e fês sua unanimidade.

    Trata-se de saber se o certificado de origem e a factura consular ― no caso da consulta tratava-se especialmente da factura consular ― se devem considerar incluidos na cotação C. I. F. A solução seria indiferente se a factura consular não ascendesse por vêses a uma percentagem relativamente alta sobre o preço de factura da mercadoria. E, mesmo que assim não fôsse, nunca haveria mal em se compreender bem o assunto.

    Salvo entendimento em contrário, as casas exportadoras estrangeiras, e nomeadamente as americanas, facturam àparte ― isto é, fóra do preço C. I. F. ― as despezas com a factura consular ou com o certificado de origem. É bom saber-se que assim fazem. Mas tambem interessa saber se assim na verdade deve ser.

    *

    Em Julho de 1924 uma firma importadora de Lisbôa formulou á Associação Comercial esta pergunta: «se a cotação C. I. F. (sem outra indicação) para qualquer mercadoria de um porto estrangeiro para Portugal compreende as despezas com a factura consular, ou devem essas despezas ficar a cargo do comprador»

    Consultada a Secção de Importação e Exportação sobre êste problema deu um dos membros dessa secção, o Sr. Carlos Moitinho d’Almeida, a seguinte resposta, que, devidamente autorisados, transcrevemos:

    «A indicação C. I. F. (cost, insurance, freight, isto é, custo, seguro, frete) deve entender-se evidentemente como abrangendo apenas aquilo que explicitamente indica. O problema posto pelo nosso consocio consiste pois em determinar se a factura consular se pode presumir incluida em qualquer das designações componentes da formula C. I. F. Pondo de parte o «seguro» que nada pode ter para o caso, temos que considerar se a factura consular se pode ter por parte necessariamente componente, quer do «custo», quer do «frete», da mercadoria.

    «Ora a factura consular é proveniente de uma exigencia oficial do país importador, em cuja alfandega tem que ser apresentada; é natural pois que a consideremos, não como parte do «custo», ou mesmo do «frete», da mercadoria, mas como uma espécie de anticipação, ou primeiro documento, das despezas aduaneiras de importação.

    «Se assim é ― e assim parece deve ser, ― a factura consular deve ficar fóra da designação C.I.F, como ficam todas as despezas aduaneiras no paiz importador. E o uso abona em absoluto este critério: o normal é o vendedor pagar a factura consular por conta do comprador, lançando a débito dêste, ordinariamente na propria factura que lhe envia, a importancia dela.

    «A meu vêr, pois, e salvo o caso de designação em contrário, a despeza com a factura consular não deve entender-se como incluida na designação C. I. F.»

    Foi este o parecer que a Direcção da Associação Comercial de Lisbôa adotou, e que parece realmente fixar, de um modo inequivoco, a verdadeira doutrina sobre o assunto.

    Cumpre porêm advertir que ha certos ramos do comercio ― o de carvão, por exemplo ― em que a «designação em contrário», a que a opinião transcrita se refere, é subentendida. São casos, contudo, de ramos especiais de comercio, que obedecem tradicionalmente a condições especiais; e esta é uma délas.

    *

    O assunto do ambito da cotação C. I. F. ficará completamente esclarecido com a tradução seguinte (dos parágrafos que interessam) das «condições» impressas de uma grande firma industrial exportadora dos Estados Unidos:

    «Salvo especificação em contrario ao dar-se a cotação, o seguro nas vendas C. I. F. entende-se ser unicamente o seguro marítimo, e apenas para o destino a que o preço de venda se refere, livre de avaria particular... Outras fórmas de seguro, quando se desejem, terão que ser explicitamente designadas pelo comprador antes de fechado o negocio, e o custo adicional será de conta dêle.

    «Todas as despezas consulares para legalisar as facturas, selar os conhecimentos ou outros documentos exigidos pelas leis do país a que as mercadorias são destinadas, serão pagas pelo comprador, e não serão incluidas no preço de venda. Salvo combinação em contrário, subentende-se que o vendedor fica autorisado a pagar estas despezas por conta do comprador, adicionando-as ao custo da factura. O vendedor obterá os documentos consulares na qualidade de agente do comprador, tendo este préviamente explicado a forma pela qual as mercadorias devem ser declaradas; e, no caso que êste o não tenha feito, o vendedor fará as declarações conforme julgar melhor, não sendo em caso algum responsavel por multas ou outras despezas motivadas por qualquer êrro, em que a falta de instruções necessariamente o tenha induzido.»

    Estes parágrafos, considerados juntamente com o parecer do Sr. Moitinho d’Almeida (que não só estabelece, mas justifica, a doutrina sobre o assunto), envolvem, a nosso vêr uma explicação suficiente da matéria.

  • A COTAÇÃO C.I.F. INCLUI AS DESPESAS COM A FATURA CONSULAR?

    COMO toda a gente sabe, é elemento necessário em todas as cotações comerciais a indicação do lugar de entrega da mercadoria.

    São de fácil compreensão as indicações usuais para transações na mesma praça, ou dentro do país, não surgindo, em geral, mal-entendidos senão por lapso de redação ou omissão involuntária ou propositada. Quando, porém, se trata de importadores, e de cotações, para estes, de exportadores estrangeiros, é conveniente saber-se bem o que abrange o sentido das abreviaturas que em geral se empregam para esses fins.

    A mais simples, e a que menos se presta a complicações, é a vulgaríssima F. O. B. (free on board), que como toda a gente sabe, indica que a mercadoria é posta «livre a bordo», isto é, que todas as despesas desde que ela entra a bordo, começando pelo frete e pelo seguro, são de conta do comprador.

    Menos vulgar é a cotação F. A. S. (free along side), que quer dizer «livre ao lado» do navio ― isto é, a mercadoria posta no cais, ou em batelão, junto do barco em que há de ser carregada. São, em geral, os americanos que usam ― e, ainda assim, poucas vezes ― esta fórmula, que importa, em todo o caso, não ignorar.

    É porém com a cotação C. I. F., que indica, como todos sabem, que a cotação inclui o custo da mercadoria, o seu frete, e o seu seguro, que pode surgir um ponto de dúvida; e tanto pode surgir que efetivamente surgiu, sendo assunto de uma consulta feita o ano passado à Associação Comercial de Lisboa, e de uma opinião interessante e decisiva de um dos membros da sua Secção de Importação e Exportação ― opinião essa que a Direção desta Câmara de Comércio aceitou e fez sua unanimidade.

    Trata-se de saber se o certificado de origem e a fatura consular ― no caso da consulta tratava-se especialmente da fatura consular ― se devem considerar incluídos na cotação C. I. F. A solução seria indiferente se a fatura consular não ascendesse por vezes a uma percentagem relativamente alta sobre o preço de fatura da mercadoria. E, mesmo que assim não fosse, nunca haveria mal em se compreender bem o assunto.

    Salvo entendimento em contrário, as casas exportadoras estrangeiras, e nomeadamente as americanas, faturam à parte ― isto é, fora do preço C. I. F. ― as despesas com a fatura consular ou com o certificado de origem. É bom saber-se que assim fazem. Mas também interessa saber se assim na verdade deve ser.

    *

    Em julho de 1924 uma firma importadora de Lisboa formulou à Associação Comercial esta pergunta: «se a cotação C. I. F. (sem outra indicação) para qualquer mercadoria de um porto estrangeiro para Portugal compreende as despesas com a fatura consular, ou devem essas despesas ficar a cargo do comprador»

    Consultada a Secção de Importação e Exportação sobre este problema deu um dos membros dessa secção, o Sr. Carlos Moitinho d’Almeida, a seguinte resposta, que, devidamente autorizados, transcrevemos:

    «A indicação C. I. F. (cost, insurance, freight, isto é, custo, seguro, frete) deve entender-se evidentemente como abrangendo apenas aquilo que explicitamente indica. O problema posto pelo nosso consócio consiste pois em determinar se a fatura consular se pode presumir incluída em qualquer das designações componentes da fórmula C. I. F. Pondo de parte o «seguro» que nada pode ter para o caso, temos que considerar se a fatura consular se pode ter por parte necessariamente componente, quer do «custo», quer do «frete», da mercadoria.

    «Ora a fatura consular é proveniente de uma exigência oficial do país importador, em cuja alfândega tem que ser apresentada; é natural pois que a consideremos, não como parte do «custo», ou mesmo do «frete», da mercadoria, mas como uma espécie de antecipação, ou primeiro documento, das despesas aduaneiras de importação.

    «Se assim é ― e assim parece deve ser, ― a fatura consular deve ficar fora da designação C.I.F, como ficam todas as despesas aduaneiras no país importador. E o uso abona em absoluto este critério: o normal é o vendedor pagar a fatura consular por conta do comprador, lançando a débito deste, ordinariamente na própria fatura que lhe envia, a importância dela.

    «A meu ver, pois, e salvo o caso de designação em contrário, a despesa com a fatura consular não deve entender-se como incluída na designação C. I. F.»

    Foi este o parecer que a Direção da Associação Comercial de Lisboa adotou, e que parece realmente fixar, de um modo inequívoco, a verdadeira doutrina sobre o assunto.

    Cumpre porém advertir que há certos ramos do comércio ― o de carvão, por exemplo ― em que a «designação em contrário», a que a opinião transcrita se refere, é subentendida. São casos, contudo, de ramos especiais de comércio, que obedecem tradicionalmente a condições especiais; e esta é uma delas.

    *

    O assunto do âmbito da cotação C. I. F. ficará completamente esclarecido com a tradução seguinte (dos parágrafos que interessam) das «condições» impressas de uma grande firma industrial exportadora dos Estados Unidos:

    «Salvo especificação em contrário ao dar-se a cotação, o seguro nas vendas C. I. F. entende-se ser unicamente o seguro marítimo, e apenas para o destino a que o preço de venda se refere, livre de avaria particular... Outras formas de seguro, quando se desejem, terão que ser explicitamente designadas pelo comprador antes de fechado o negócio, e o custo adicional será de conta dele.

    «Todas as despesas consulares para legalizar as faturas, selar os conhecimentos ou outros documentos exigidos pelas leis do país a que as mercadorias são destinadas, serão pagas pelo comprador, e não serão incluídas no preço de venda. Salvo combinação em contrário, subentende-se que o vendedor fica autorizado a pagar estas despesas por conta do comprador, adicionando-as ao custo da fatura. O vendedor obterá os documentos consulares na qualidade de agente do comprador, tendo este previamente explicado a forma pela qual as mercadorias devem ser declaradas; e, no caso que este o não tenha feito, o vendedor fará as declarações conforme julgar melhor, não sendo em caso algum responsável por multas ou outras despesas motivadas por qualquer erro, em que a falta de instruções necessariamente o tenha induzido.»

    Estes parágrafos, considerados juntamente com o parecer do Sr. Moitinho d’Almeida (que não só estabelece, mas justifica, a doutrina sobre o assunto), envolvem, a nosso ver uma explicação suficiente da matéria.

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    • Carlos Moitinho d’Almeida