English|Português|Deutsch

Palavras iniciais

Fernando Pessoa

Revista de Comércio e Contabilidade 1, 25 de janeiro de 1926.

  • [5]

    PALAVRAS INICIAIS

    DESTINA-SE esta Revista, conforme o seu título indica, ao estudo dos problemas fundamentais do comercio e da contabilidade. Propriamente falando, não ha em comercio, nem em contabilidade, problemas que não sejam fundamentais, pois é sabido que, tanto em uma coisa como em outra — em tudo que envolve método, — um lapso de detalhe pode acarretar consequencias desastrosas. Por isso os problemas que aqui se estudarão, embora uma ou outra vês pareçam, e só á primeira vista, ser de pouca importancia, serão sempre dos primaciais, ou por essencia ou por oportunidade, nas materias a cujo estudo esta Revista se dedica.

    Não é nosso intuito entrar demasiadamente no que se pode chamar a sociologia do comercio, nem carregar demasiado, e tecnicamente de mais, a nota juridica, ou outra qualquer nota especial, onde quer que tenha que ser ferida. Mas, se nos afastaremos da especialidade extrema, tambem nos não prenderemos á generalidade abstrusa. Seremos, quanto possa ser, concretos dentro da abstracção natural das teorias e das doutrinas.

    *

    Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espiritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoría da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nêle por sorte ou acaso, chama «teórico» a quem sabe mais, e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar, — isto é, quem afinal não sabe, porque não saber aplicar é uma maneira de não saber — tem rancor a quem aplica por instinto, isto é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são [6]de espirito e equilibrado de inteligencia, ha uma separação abusiva. Na vida superior a teoria e a prática completam-se. Fôram feitas uma para a outra.

    A indole desta Revista, tanto em materia de comercio, como em materia de contabilidade, é provar que a teoria e a prática fôram feitas uma para a outra.

    *

    Cada problema que tratarmos, faremos por tratá-lo sempre aprofundamente, e em toda a sua extensão. Tratar um problema é isto. Mas, assim como variaremos o estudo dos problemas, não teremos só um estilo para descrever as soluções que lhes encontrarmos. Se em certo artigo formos solenes, em outro se-lo-hemos menos. Isso não importa. A maneira de tratar os assuntos é como o tom de voz em que se fala: tanto se pode dizer a verdade em voz baixa como em voz alta. Os americanos, que são quem mais profundamente estuda os problemas tecnicos, expõe-nos, muitas vêses, humoristicamente. Levam, até, esse genero de exposição, em alguns casos, a pontos quasi inconcebiveis para nós europeus, tantas vêses solenemente incompetentes.

    Isto é dito em previsão de que se estranhe que não ponhamos na exposição de todas as materias o ar grave de quem tem uma missão transcendente a cumprir. Não forçaremos, porêm, essa nota, como não forçaremos nenhuma outra. O nosso intuito é expôr de que nos possam lêr comerciantes feitos e comerciantes por fazer, contabilistas que o são e contabilistas que não o são. Uma ou outra afirmação será excusada para um comerciante ou para um contabilista; é que é para o estudante do comercio ou da contabilidade. Outras irão um pouco além do interêsse a supôr no principiante nestas materias: é que são para os que já não são principiantes nelas. Assim, doseando, procuraremos expôr num estilo e numa maneira que correspondam á media dos públicos vários a quem nos dirigimos. A êsses públicos pertence o decidir, apoiando-nos ou não, se atingimos ou errámos o alvo que nos propuzemos.

  • [5]

    PALAVRAS INICIAIS

    DESTINA-SE esta Revista, conforme o seu título indica, ao estudo dos problemas fundamentais do comércio e da contabilidade. Propriamente falando, não há em comércio, nem em contabilidade, problemas que não sejam fundamentais, pois é sabido que, tanto em uma coisa como em outra — em tudo que envolve método, — um lapso de detalhe pode acarretar consequências desastrosas. Por isso os problemas que aqui se estudarão, embora uma ou outra vez pareçam, e só à primeira vista, ser de pouca importância, serão sempre dos primaciais, ou por essência ou por oportunidade, nas matérias a cujo estudo esta Revista se dedica.

    Não é nosso intuito entrar demasiadamente no que se pode chamar a sociologia do comércio, nem carregar demasiado, e tecnicamente de mais, a nota jurídica, ou outra qualquer nota especial, onde quer que tenha que ser ferida. Mas, se nos afastaremos da especialidade extrema, tambem nos não prenderemos à generalidade abstrusa. Seremos, quanto possa ser, concretos dentro da abstração natural das teorias e das doutrinas.

    *

    Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele por sorte ou acaso, chama «teórico» a quem sabe mais, e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar, — isto é, quem afinal não sabe, porque não saber aplicar é uma maneira de não saber — tem rancor a quem aplica por instinto, isto é, sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são [6]de espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva. Na vida superior a teoria e a prática completam-se. Foram feitas uma para a outra.

    A índole desta Revista, tanto em matéria de comércio, como em matéria de contabilidade, é provar que a teoria e a prática foram feitas uma para a outra.

    *

    Cada problema que tratarmos, faremos por tratá-lo sempre aprofundamente, e em toda a sua extensão. Tratar um problema é isto. Mas, assim como variaremos o estudo dos problemas, não teremos só um estilo para descrever as soluções que lhes encontrarmos. Se em certo artigo formos solenes, em outro sê-lo-emos menos. Isso não importa. A maneira de tratar os assuntos é como o tom de voz em que se fala: tanto se pode dizer a verdade em voz baixa como em voz alta. Os americanos, que são quem mais profundamente estuda os problemas técnicos, expõem-nos, muitas vezes, humoristicamente. Levam, até, esse género de exposição, em alguns casos, a pontos quase inconcebíveis para nós europeus, tantas vezes solenemente incompetentes.

    Isto é dito em previsão de que se estranhe que não ponhamos na exposição de todas as matérias o ar grave de quem tem uma missão transcendente a cumprir. Não forçaremos, porém, essa nota, como não forçaremos nenhuma outra. O nosso intuito é expor de que nos possam ler comerciantes feitos e comerciantes por fazer, contabilistas que o são e contabilistas que não o são. Uma ou outra afirmação será escusada para um comerciante ou para um contabilista; é que é para o estudante do comércio ou da contabilidade. Outras irão um pouco além do interesse a supor no principiante nestas matérias: é que são para os que já não são principiantes nelas. Assim, doseando, procuraremos expor num estilo e numa maneira que correspondam à média dos públicos vários a quem nos dirigimos. A esses públicos pertence o decidir, apoiando-nos ou não, se atingimos ou errámos o alvo que nos propusemos.