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Aforismos, preceitos e considerações várias

Fernando Pessoa

Revista de Comércio e Contabilidade 1, janeiro de 1926, p. 6, 11, 20, 23, 26, 31, 32, 93, 96, 109, 120, 125, 128, 135, 145, 164, 189,.

  • AFORISMOS, PRECEITOS E CONSIDERAÇÕES VÁRIAS

    [6]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 6

    Cartas a Bancos e Sociedades Anónimas, quando se dirigem aos Bancos ou Sociedades impessoalmente, empregam o tratamento de «V. S.ᵃˢ » e abrem com «Il.ᵐᵒˢ Srs.» (nunca com «Amigos e Srs.»). Quando, porêm, sejam dirigidas á Direcção ou Directores, abrem com «Ex.ᵐᵒˢ Srs.», e o tratamento é de «Ex.ᵃˢ».

    [11]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 11

    Nenhuma carta deve estar sem resposta mais de 5 dias, sendo nacional, ou 10 dias, sendo estrangeira. Uma demora maior obriga legitimamente a apresentar uma desculpa, em geral falsa, e que, ao contrário do que em geral julgam os que pedem desculpa, é quasi sempre tida por falsa, mesmo que seja verdadeira. Ou a carta não tem resposta, e não se lhe responde; ou tem resposta, e se lhe responde logo; ou não pode ter resposta logo, e então escreve-se dizendo isso. A fama de ser atencioso e cortês vale mais que uma estampilha. É uma publicidade barata.

    Nas cartas comerciais onde seja essencial sêr-se muito preciso, é conveniente evitar-se aquela precisão verbal excessiva que parece juridica. Nenhum comerciante gosta de ter, ainda que momentaneamente, a impressão de que é o advogado do correspondente que lhe está escrevendo. A precisão comercial deve ter sempre um ar casual e despreocupado ‒ o da conversa dum homem inteligente.

    No fecho das cartas onde se dá tratamento de Excelencia nunca se emprega a palabra «estima.» Ás Excelencias compete «consideração» ou «respeito.» Estima é só para as Senhorias.

    [20]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 20

    Escreve-se sempre em breves palavras ‒ nas mais breves que seja possivel ‒ a uma casa inglêsa, e desenvolvidamente a uma casa americana. Os inglêses querem vêr tudo depressa; os americanos querem vêr tudo.

    A uma firma inglêsa, que não seja individual, abre-se a carta com «Dear Sirs», e fecha-se com «Yours faithfully.» A uma casa americana nas mesmas condições, abre-se a carta com «Gentlemen», e fecha-se com «Yours very truly.» No caso de firmas individuais, a diferença de fecho permanece, mas a abertura é a mesma ‒ «Dear Sir» ‒ para o inglês e para o americano.

    Uma carta áspera ou violenta é sempre injustificada, porque é sempre inútil. Indispõe, e não dá resultado. Quem não paga porque não quere, não passa a pagar por lhe dizerem que não paga porque não quere. Isso já êle sabe. E quem não paga porque não pode não fica contente que se lhe diga ou se lhe insinúe que não paga porque não quere.

    [23]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 23

    Um comerciante nunca oficía. Mesmo dirigindo-se ás instancias oficiais, não abdica da fórmula comercial ‒ a que para o caso seja mais apropriada ‒ de abrir e fechar a carta.

    É do pior gôsto, e do pior efeito, desculpar-se um chefe com «um êrro dum empregado.» Não há êrros de empregados. Todo o êrro dum empregado é apenas o êrro de ter empregados que fazem êrros.

    Uma carta em francês nunca fecha com a inclusão da palavra «considération» quando seja para iguais ou para superiores. «Considération» é só para inferiores. O equivalente francês do emprego português da palabra «consideração» é o emprego ou de «salutations distinguées» ou de «sentiments distingués». O ponto é digno de referir-se porque ha até muitos francêses que o ignoram.

    [26]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 26

    Uma firma, embora individual, ganha sempre em falar no plural.

    [31]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 31

    Evite-se sempre dar a uma casa estrangeira referencias no nosso país ou na nossa praça que não sejam bancarias. E mesmo as referencias bancarias, convêm dá-las de um modo a que se póde chamar translato. Faça-se com que o banco local que nos conhece, e nos serve portanto de referencia, transmita ao seu correspondente no país estrangeiro respectivo as informações que póde dar a nosso respeito; cite-se depois como referencia o banco por intermedio dêsse seu correspondente. Deve sempre facilitar-se a consulta de referencias, a não ser, é claro, que estas sejam falsas. Isso, porêm, já não é comercio.

    [32]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 1, p. 32

    Uma carta visivelmente circular ‒ sobretudo se fôr impressa ou copiografada ‒ é o pior meio de propaganda ou de publicidade que se conhece. Evite-se, em todo impresso de propaganda, a fórma de carta. Faça-se um pequeno prospecto, um folheto diminuto; empregue-se um postal sem fórma epistolar; mas não se faça uma parecença de carta, porque uma carta implica atenção ou consideração, e uma coisa impressa implica o contrario. Uma consideração geral, uma consideração ás séries, não se entende. Ha só um caso em que a circular impressa é aceitavel: é cuando anuncía ou rèclama um livro, ou outra qualquer publicação. A identidade de naturesa entre objecto rèclamado e a fórma do rèclame esbate o contra-efeito da circular.

    Um anuncio difere dum cartaz em que o cartaz deve chamar a atenção e prendê-la no mesmo acto, isto é, de um só golpe, ao passo que o anuncio deve chamar a atenção para depois prendê-la. Ha, pois, muitos anuncios que são simples cartazes em miniatura. Só por qualquer circunstancia particular ‒ estranha portanto á indole do anuncio ‒ póde um anuncio deste género servir o fim a que se destina. E é singular que os alemães, tão notavelmente especialistas por indole e educação, tão constantemente empreguem o anuncio-cartaz, isto é, o anuncio em que o interesse reside no simples aspecto e disposição tipográfica. É o unico lapso ‒ mas é um lapso grave ‒ da tecnica publicitaria alemã.

    [93]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 3, p. 93

    O nosso tempo, em que tantas actividades complexas se desenvolvem, criou profissões novas, algumas estranhissimas. Mas entre elas ainda não apareceu uma que é muito precisa ‒ a de professor de leitura para as pessoas que já sabem lêr.

    Esta observação não é um disparate. Um grande numero de pessôas ‒ a maioria, talvez, se vissemos bem ‒ são absolutamente desatentas: nem vêem o que vêem, nem lêem o que estão lendo.

    É extraordinario o numero de negocios que se demoram, se complicam inutilmente, ou, até, se enredam com gravidade, por o comerciante se não dar ao trabalho de lêr o que lhe escrevem. Depois responde concordando com o que não se lhe propoz, ou perguntando o que já está dito.

    Todo o homem de nogocios deve lêr as cartas que recebe palavra a palavra e atentamente. A correspondencia comercial deve ser lida em socego, e sem interrupção, nem no meio de uma carta, nem mesmo entre carta e carta, para que não se perca a continuidade da atenção. Lida cada carta, deve fazer-se um rapido, e instintivo, esboço mental do sentido do seu conteúdo. O comerciante tem pressa? Lê depois, quando tiver vagar. Nunca tem vagar? Se não tem vagar para trabalhar, o que é que lhe tira o vagar?

    [96]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 3, p. 96

    Em correspondencia comercial ha trez principios que convêm ter presentes: antes mais explicado que mais breve; antes muitos paragrafos que poucos; antes responder depressa, embora dizendo só parte, que demorar a resposta para dizer tudo.

    [109]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 3, p. 109

    Muita gente fala de comercio como se êle fôsse só um. Na realidade, não ha comercio: ha comercios. No exercicio de um empregam-se qualidades diferentes do que no exercicio de outro. Há, é certo, principios e preceitos comuns a todos os generos de comercio. Êsses, porêm, são abstratos e gerais, e aplicam-se tambem a outras colectividades, não comerciais, que implicam o serviço do público.

    Nos paises de grande desenvolvimento comercial, e onde, portanto, cada espécie de comercio se especialisou definidamente, há diferenças até de mentalidade entre os comerciantes de una espécie e os comerciantes de outra espécie. O comercio comissionário implica o uso de faculdades diversas daquélas que entram em campo no comercio de conta propria. A mentalidade do grande exportador (empregando «grande» no sentido de competencia, e não propriamente de vulto das transacções) difere da mentalidade do grande importador. A tecnica do comercio interno aparta-se por vezes extraordinariamente da do comercio externo.

    Êste principio debe ter-se presente, não só para fins de organisação, mas tambem para fins de se tratar competentemente com os chefes de casas comerciais de paizes que atingiram uma especialisação mercantil definida.

    [120]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 4, p. 120

    Os homens dividem-se, na vida prática, em trez categorias ‒ os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que nasceram nem para uma coisa nem para outra. Estes ultimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando.

    O caracteristico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo. O caracteristico distintivo do homem que nasceu para obedecer é que sabe mandar só nos outros, sabendo obedecer tambem. O homem que não nasceu nem para uma coisa nem para outra distingue-se por saber mandar nos outros mas não saber obedecer.

    O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo. O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impôr deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por formulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediencia; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediencia. O homem que não nasceu para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas, como nem manda por indole nem por transmissão de obediencia, só é obedecido por qualquer circunstancia externa ‒ o cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem...

    Chamamos para estas singelas considerações psicológicas a atenção dos leitores. Devidamente compreendidas, elas elucidar-lhes-hão muitas coisas, e muita gente...

    [125]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 4, p. 125

    Há trez tipos de energia ‒ a do trabalhador, a do homem activo e a do organisador.

    O trabalhador exerce regularmente um mistér ou um cargo segundo as normas dêsse mesmo cargo ou mistér. Corre numa calha indefinidamente e com grande utilidade social.

    O homem activo nunca tem mistér proprio; a simples actividade é indisciplinada por natureza. Exerce êle sempre um cargo ocasional e temporario, uma especie de molde em que vasa um momento a sua energia constante. Esse momento pode durar toda a vida: esse molde pode nunca quebrar-se.

    O organisador trabalha pouco: faz só calhas e moldes.

    [128]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 4, p. 128

    A tendencia moderna para a organisação e coordenação, quanto possivel perfeita, dos serviços de escritorio, de modo a torná-los mais simples e mais rapidos, deu em resultado a invenção, constantemente crescente, de sistemas, processos, moveis e aparelhos diversa e diferentemente conducentes a esse fim. Alguns desses processos, desses moveis e dessas maquinas são muito engenhosos; quasi todos são uteis ou aproveitaveis. Mas o emprego deles, sejam quais forem, deve obedecer sempre a um criterio superior. Um sistema não é uma cabeça; um movel não é gente. Todos os processos e todos os aparelhos resultarão elementos inuteis de organisação se as cabeças dos individuos que os empregam não estiverem organisadas tambem. E essas cabeças estarão organisadas se estiver organisada devidamente a mesma parte do corpo do chefe que os dirige. Assim como se podem escrever asneiras com uma maquina de escrever do ultimo modelo, se podem fazer disparates com os sistemas e aparelhos mais perfeitos para ajudar a não fazê-los. Sistemas, processos, moveis, maquinas, aparelhos são ‒ como todas as coisas mecanicas e materiais ‒ elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é pensar; a maquina fundamental é a inteligencia.

    [135]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 4, p. 135

    Na confecção da correspondencia comercial ha dois criterios fundamentais e opostos, entre os quais é difícil escolher o que deva preferir-se. O primeiro criterio é o de “marcar personalidade” na correspondencia e no seu estilo — isto é, buscar imprimir um cunho distintivo e pessoal a todas as cartas, de modo que em qualquer delas se reconheça, por assim dizer, a mesma voz que nas outras. O segundo criterio é o de adaptar o estilo e feição da carta ao estilo e feição das cartas do correspondente. A nosso ver, nenhum dos criterios é universalmente preferivel. Ha casos em que um estaria errado, casos em que estaria errado o oposto. O importante é chamar-se a atenção do comerciante para a existencia dos dois critérios. Saber que eles existem, e em que consistem, é o principal.

    [145]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 5, p. 145

    Estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer. Muitos dêles conteem indicações interessantes, por vezes aproveitaveis. Quasi todos se reportam particularmente ao exito material, o que é explicavel, pois é êsse o que supremamente interessa a grande maioria dos homens.

    A sciencia de vencer é, contudo, facilima de expôr; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do exito ou a explicação da falta dêle.

    Para vencer ‒ material ou imaterialmente ‒ trez coisas definiveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinivel, mas real, a que, á falta de melhor nome, se chama sorte.

    Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do exito no trabalho. Saber trabalhar quere dizer: não fazer um esforço inutil, persistir no esforço até o fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.

    Aproveitar oportunidades quere dizer não só não as perder, mas tambem achá-las.

    Criar relações tem dois sentidos ‒ um para a vida material, outro para a vida mental. Na vida material a expressão tem o seu sentido directo. Na vida mental significa criar cultura. A historia não registra um grande triunfador material isolado, nem um grande triunfador mental inculto. Da simples «vontade» vivem só os pequenos comerciantes; da simples «inspiração» vivem só os pequenos poetas. A lei é uma para todos.

    [164]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 6, p. 164

    Cada homem, desde que sái da nebulose da infância e da adolescência, é, em grande parte, um producto do seu conceito de si mesmo. Pode dizer-se, em exagero mais que verbal, que temos duas espécies de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios ‒ mãe e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.

    Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se se julgar estupido. E isto, que se dá num caso intelectual, mais marcantemente se dá num caso moral, pois a plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que a das faculdades da nossa mente.

    Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual ‒ abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais ‒ é tambem verdade da psicologia colectiva. Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que ante-formou. Envenena-se mentalmente.

    O primeiro passo para uma regeneração, económica ou outra, de Portugal é criamos um estado de espírito de confiança ‒mais, de certeza‒ nessa regeneração. Não se diga que «os factos» provam o contrário. Os factos provam o que quere o raciocinador. Nem, propriamente, existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome. Mas, haja ou não factos, o que é certo é que não existe sciência social ‒ ou, pelo menos, não existe ainda. E, como assim é, tanto podemos crêr que nos regeneraremos, como crêr o contrário. Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude mental que nos é mais favoravel, em vez daquela que nos é menos?

    [189]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 6, p. 189

    Uma das palavras que mais maltratadas teem sido, no entendimento que ha delas, é a palavra oportunidade. Julgam muitos que por oportunidade se entente um presente ou favor do Destino, analogo a oferecerem-nos o bilhete que ha de ter a sorte grande. Algumas vezes assim é. Na realidade quotidiana, porém, oportunidade não quere dizer isto, nem o aproveitar-se déla significa o simplesmete aceitál-a. Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquêle fenomeno exterior que pode ser transformado em consequencias vantajosas por meio de um isolamente nêle, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização dêsse ou dêsses. Tudo mais é herdar do tio brasileiro ou não estao onde caíu a granada.

  • AFORISMOS, PRECEITOS E CONSIDERAÇÕES VÁRIAS

    [6]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 6

    Cartas a Bancos e Sociedades Anónimas, quando se dirigem aos Bancos ou Sociedades impessoalmente, empregam o tratamento de «V. S.ᵃˢ » e abrem com «Il.ᵐᵒˢ Srs.» (nunca com «Amigos e Srs.»). Quando, porêm, sejam dirigidas á Direcção ou Directores, abrem com «Ex.ᵐᵒˢ Srs.», e o tratamento é de «Ex.ᵃˢ».

    [11]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 11

    Nenhuma carta deve estar sem resposta mais de 5 dias, sendo nacional, ou 10 dias, sendo estrangeira. Uma demora maior obriga legitimamente a apresentar uma desculpa, em geral falsa, e que, ao contrário do que em geral julgam os que pedem desculpa, é quasi sempre tida por falsa, mesmo que seja verdadeira. Ou a carta não tem resposta, e não se lhe responde; ou tem resposta, e se lhe responde logo; ou não pode ter resposta logo, e então escreve-se dizendo isso. A fama de ser atencioso e cortês vale mais que uma estampilha. É uma publicidade barata.

    Nas cartas comerciais onde seja essencial sêr-se muito preciso, é conveniente evitar-se aquela precisão verbal excessiva que parece juridica. Nenhum comerciante gosta de ter, ainda que momentaneamente, a impressão de que é o advogado do correspondente que lhe está escrevendo. A precisão comercial deve ter sempre um ar casual e despreocupado ‒ o da conversa dum homem inteligente.

    No fecho das cartas onde se dá tratamento de Excelencia nunca se emprega a palabra «estima.» Ás Excelencias compete «consideração» ou «respeito.» Estima é só para as Senhorias.

    [20]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 20

    Escreve-se sempre em breves palavras ‒ nas mais breves que seja possivel ‒ a uma casa inglêsa, e desenvolvidamente a uma casa americana. Os inglêses querem vêr tudo depressa; os americanos querem vêr tudo.

    A uma firma inglêsa, que não seja individual, abre-se a carta com «Dear Sirs», e fecha-se com «Yours faithfully.» A uma casa americana nas mesmas condições, abre-se a carta com «Gentlemen», e fecha-se com «Yours very truly.» No caso de firmas individuais, a diferença de fecho permanece, mas a abertura é a mesma ‒ «Dear Sir» ‒ para o inglês e para o americano.

    Uma carta áspera ou violenta é sempre injustificada, porque é sempre inútil. Indispõe, e não dá resultado. Quem não paga porque não quere, não passa a pagar por lhe dizerem que não paga porque não quere. Isso já êle sabe. E quem não paga porque não pode não fica contente que se lhe diga ou se lhe insinúe que não paga porque não quere.

    [23]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 23

    Um comerciante nunca oficía. Mesmo dirigindo-se ás instancias oficiais, não abdica da fórmula comercial ‒ a que para o caso seja mais apropriada ‒ de abrir e fechar a carta.

    É do pior gôsto, e do pior efeito, desculpar-se um chefe com «um êrro dum empregado.» Não há êrros de empregados. Todo o êrro dum empregado é apenas o êrro de ter empregados que fazem êrros.

    Uma carta em francês nunca fecha com a inclusão da palavra «considération» quando seja para iguais ou para superiores. «Considération» é só para inferiores. O equivalente francês do emprego português da palabra «consideração» é o emprego ou de «salutations distinguées» ou de «sentiments distingués». O ponto é digno de referir-se porque ha até muitos francêses que o ignoram.

    [26]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 26

    Uma firma, embora individual, ganha sempre em falar no plural.

    [31]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 31

    Evite-se sempre dar a uma casa estrangeira referencias no nosso país ou na nossa praça que não sejam bancarias. E mesmo as referencias bancarias, convêm dá-las de um modo a que se póde chamar translato. Faça-se com que o banco local que nos conhece, e nos serve portanto de referencia, transmita ao seu correspondente no país estrangeiro respectivo as informações que póde dar a nosso respeito; cite-se depois como referencia o banco por intermedio dêsse seu correspondente. Deve sempre facilitar-se a consulta de referencias, a não ser, é claro, que estas sejam falsas. Isso, porêm, já não é comercio.

    [32]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 1, p. 32

    Uma carta visivelmente circular ‒ sobretudo se fôr impressa ou copiografada ‒ é o pior meio de propaganda ou de publicidade que se conhece. Evite-se, em todo impresso de propaganda, a fórma de carta. Faça-se um pequeno prospecto, um folheto diminuto; empregue-se um postal sem fórma epistolar; mas não se faça uma parecença de carta, porque uma carta implica atenção ou consideração, e uma coisa impressa implica o contrario. Uma consideração geral, uma consideração ás séries, não se entende. Ha só um caso em que a circular impressa é aceitavel: é cuando anuncía ou rèclama um livro, ou outra qualquer publicação. A identidade de naturesa entre objecto rèclamado e a fórma do rèclame esbate o contra-efeito da circular.

    Um anuncio difere dum cartaz em que o cartaz deve chamar a atenção e prendê-la no mesmo acto, isto é, de um só golpe, ao passo que o anuncio deve chamar a atenção para depois prendê-la. Ha, pois, muitos anuncios que são simples cartazes em miniatura. Só por qualquer circunstancia particular ‒ estranha portanto á indole do anuncio ‒ póde um anuncio deste género servir o fim a que se destina. E é singular que os alemães, tão notavelmente especialistas por indole e educação, tão constantemente empreguem o anuncio-cartaz, isto é, o anuncio em que o interesse reside no simples aspecto e disposição tipográfica. É o unico lapso ‒ mas é um lapso grave ‒ da tecnica publicitaria alemã.

    [93]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 3, p. 93

    O nosso tempo, em que tantas actividades complexas se desenvolvem, criou profissões novas, algumas estranhissimas. Mas entre elas ainda não apareceu uma que é muito precisa ‒ a de professor de leitura para as pessoas que já sabem lêr.

    Esta observação não é um disparate. Um grande numero de pessôas ‒ a maioria, talvez, se vissemos bem ‒ são absolutamente desatentas: nem vêem o que vêem, nem lêem o que estão lendo.

    É extraordinario o numero de negocios que se demoram, se complicam inutilmente, ou, até, se enredam com gravidade, por o comerciante se não dar ao trabalho de lêr o que lhe escrevem. Depois responde concordando com o que não se lhe propoz, ou perguntando o que já está dito.

    Todo o homem de nogocios deve lêr as cartas que recebe palavra a palavra e atentamente. A correspondencia comercial deve ser lida em socego, e sem interrupção, nem no meio de uma carta, nem mesmo entre carta e carta, para que não se perca a continuidade da atenção. Lida cada carta, deve fazer-se um rapido, e instintivo, esboço mental do sentido do seu conteúdo. O comerciante tem pressa? Lê depois, quando tiver vagar. Nunca tem vagar? Se não tem vagar para trabalhar, o que é que lhe tira o vagar?

    [96]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 3, p. 96

    Em correspondência comercial há três princípios que convém ter presentes: antes mais explicado que mais breve; antes muitos parágrafos do que poucos; antes responder depressa, embora dizendo só parte, que demorar a resposta para dizer tudo.

    [109]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 3, p. 109

    Muita gente fala de comercio como se êle fôsse só um. Na realidade, não ha comercio: ha comercios. No exercicio de um empregam-se qualidades diferentes do que no exercicio de outro. Há, é certo, principios e preceitos comuns a todos os generos de comercio. Êsses, porêm, são abstratos e gerais, e aplicam-se tambem a outras colectividades, não comerciais, que implicam o serviço do público.

    Nos paises de grande desenvolvimento comercial, e onde, portanto, cada espécie de comercio se especialisou definidamente, há diferenças até de mentalidade entre os comerciantes de una espécie e os comerciantes de outra espécie. O comercio comissionário implica o uso de faculdades diversas daquélas que entram em campo no comercio de conta propria. A mentalidade do grande exportador (empregando «grande» no sentido de competencia, e não propriamente de vulto das transacções) difere da mentalidade do grande importador. A tecnica do comercio interno aparta-se por vezes extraordinariamente da do comercio externo.

    Êste principio debe ter-se presente, não só para fins de organisação, mas tambem para fins de se tratar competentemente com os chefes de casas comerciais de paizes que atingiram uma especialisação mercantil definida.

    [120]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 4, p. 120

    Os homens dividem-se, na vida prática, em trez categorias ‒ os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que nasceram nem para uma coisa nem para outra. Estes ultimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando.

    O caracteristico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo. O caracteristico distintivo do homem que nasceu para obedecer é que sabe mandar só nos outros, sabendo obedecer tambem. O homem que não nasceu nem para uma coisa nem para outra distingue-se por saber mandar nos outros mas não saber obedecer.

    O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo. O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impôr deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por formulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediencia; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediencia. O homem que não nasceu para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas, como nem manda por indole nem por transmissão de obediencia, só é obedecido por qualquer circunstancia externa ‒ o cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem...

    Chamamos para estas singelas considerações psicológicas a atenção dos leitores. Devidamente compreendidas, elas elucidar-lhes-hão muitas coisas, e muita gente...

    [125]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 4, p. 125

    Há trez tipos de energia ‒ a do trabalhador, a do homem activo e a do organisador.

    O trabalhador exerce regularmente um mistér ou um cargo segundo as normas dêsse mesmo cargo ou mistér. Corre numa calha indefinidamente e com grande utilidade social.

    O homem activo nunca tem mistér proprio; a simples actividade é indisciplinada por natureza. Exerce êle sempre um cargo ocasional e temporario, uma especie de molde em que vasa um momento a sua energia constante. Esse momento pode durar toda a vida: esse molde pode nunca quebrar-se.

    O organisador trabalha pouco: faz só calhas e moldes.

    [128]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 4, p. 128

    A tendencia moderna para a organisação e coordenação, quanto possivel perfeita, dos serviços de escritorio, de modo a torná-los mais simples e mais rapidos, deu em resultado a invenção, constantemente crescente, de sistemas, processos, moveis e aparelhos diversa e diferentemente conducentes a esse fim. Alguns desses processos, desses moveis e dessas maquinas são muito engenhosos; quasi todos são uteis ou aproveitaveis. Mas o emprego deles, sejam quais forem, deve obedecer sempre a um criterio superior. Um sistema não é uma cabeça; um movel não é gente. Todos os processos e todos os aparelhos resultarão elementos inuteis de organisação se as cabeças dos individuos que os empregam não estiverem organisadas tambem. E essas cabeças estarão organisadas se estiver organisada devidamente a mesma parte do corpo do chefe que os dirige. Assim como se podem escrever asneiras com uma maquina de escrever do ultimo modelo, se podem fazer disparates com os sistemas e aparelhos mais perfeitos para ajudar a não fazê-los. Sistemas, processos, moveis, maquinas, aparelhos são ‒ como todas as coisas mecanicas e materiais ‒ elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é pensar; a maquina fundamental é a inteligencia.

    [135]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 4, p. 135

    Na confecção da correspondência comercial há dois critérios fundamentais e opostos, entre os quais é difícil escolher o que deva preferir-se. O primeiro critério é o de “marcar personalidade” na correspondência e no seu estilo — isto é, buscar imprimir um cunho distintivo e pessoal a todas as cartas, de modo que em qualquer delas se reconheça, por assim dizer, a mesma voz que nas outras. O segundo critério é o de adaptar o estilo e feição da carta ao estilo e feição das cartas do correspondente. A nosso ver, nenhum dos critérios é universalmente preferível. Há casos em que um estaria errado, casos em que estaria errado o oposto. O importante é chamar-se a atenção do comerciante para a existência dos dois critérios. Saber que eles existem, e em que consistem, é o principal.

    [145]

    Aforismos, preceitos e considerações, n.º 5, p. 145

    Estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer. Muitos dêles conteem indicações interessantes, por vezes aproveitaveis. Quasi todos se reportam particularmente ao exito material, o que é explicavel, pois é êsse o que supremamente interessa a grande maioria dos homens.

    A sciencia de vencer é, contudo, facilima de expôr; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do exito ou a explicação da falta dêle.

    Para vencer ‒ material ou imaterialmente ‒ trez coisas definiveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinivel, mas real, a que, á falta de melhor nome, se chama sorte.

    Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do exito no trabalho. Saber trabalhar quere dizer: não fazer um esforço inutil, persistir no esforço até o fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.

    Aproveitar oportunidades quere dizer não só não as perder, mas tambem achá-las.

    Criar relações tem dois sentidos ‒ um para a vida material, outro para a vida mental. Na vida material a expressão tem o seu sentido directo. Na vida mental significa criar cultura. A historia não registra um grande triunfador material isolado, nem um grande triunfador mental inculto. Da simples «vontade» vivem só os pequenos comerciantes; da simples «inspiração» vivem só os pequenos poetas. A lei é uma para todos.

    [164]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 5, p. 164

    Cada homem, desde que sái da nebulose da infância e da adolescência, é, em grande parte, um producto do seu conceito de si mesmo. Pode dizer-se, em exagero mais que verbal, que temos duas espécies de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios ‒ mãe e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo.

    Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se se julgar estupido. E isto, que se dá num caso intelectual, mais marcantemente se dá num caso moral, pois a plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que a das faculdades da nossa mente.

    Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual ‒ abstraindo daqueles fenómenos que são exclusivamente individuais ‒ é tambem verdade da psicologia colectiva. Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que ante-formou. Envenena-se mentalmente.

    O primeiro passo para uma regeneração, económica ou outra, de Portugal é criamos um estado de espírito de confiança ‒mais, de certeza‒ nessa regeneração. Não se diga que «os factos» provam o contrário. Os factos provam o que quere o raciocinador. Nem, propriamente, existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome. Mas, haja ou não factos, o que é certo é que não existe sciência social ‒ ou, pelo menos, não existe ainda. E, como assim é, tanto podemos crêr que nos regeneraremos, como crêr o contrário. Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude mental que nos é mais favoravel, em vez daquela que nos é menos?

    [189]

    Aforismos, preceitos e considerações várias, n.º 6, p. 189

    Uma das palavras que mais maltratadas têm sido, no entendimento que há delas, é a palavra oportunidade. Julgam muitos que por oportunidade se entente um presente ou favor do Destino, análogo a oferecerem-nos o bilhete que ha de ter a sorte grande. Algumas vezes assim é. Na realidade quotidiana, porém, oportunidade não quere dizer isto, nem o aproveitar-se déla significa o simplesmete aceitál-a. Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenomeno exterior que pode ser transformado em consequencias vantajosas por meio de um isolamente nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses. Tudo mais é herdar do tio brasileiro ou não estao onde caíu a granada.